A defesa possível no debate sobre a declaração de interesses

Por falta de tempo, deram-me apenas dois minutos para tentar defender a proposta sobre a existência de uma forma de declaração de interesses para os jornalistas. Eis o que li ao congresso dos jornalistas:

Começo por dizer o que não é esta proposta de declaração de interesses: não é uma declaração de rendimentos, não é uma exposição da vida privada, não é uma ecografia pública das nossas consciências, não é sequer obrigatória. O que que proponho é um meio de defesa dos jornalistas e um instrumento de transparência na relação com os seus leitores que defenda a sua credibilidade, por um lado, e a sua liberdade, por outro lado.
Esta declaração de interesses não é a solução para os problemas da profissão mas é um pequeno passo – apenas um pequeno passo – que pode ser aplicado de forma imediata e sem dificuldade, no longo e penoso caminho que teremos de percorrer para reconquistar a credibilidade do jornalista junto do público.

Eu próprio, recorrentemente, sempre que acho isso relevante, declaro aos leitores a minha filiação partidária. O que ganhei na relação com os leitores é muito mais do que o que perdi e não impediu que sucessivos patrões ou acionistas aceitassem a minha nomeação para cargos de direção.
Mas sinto um problema com esta prática pois a dada altura levantou-se-me uma questão: “Que direito tenho eu de contaminar a empresa, a redação, os meus camaradas de trabalho, o Diário de Notícias, onde sou colunista, no seu todo com as minhas opções individuais?”
É para tentar resolver esse problema que proponho que as declarações de interesses possam ser feitas num local neutro, a Comissão da Carteira, que os leitores possam consultar em qualquer altura, que possam ser modificadas ou atualizadas pelos próprios autores em qualquer altura, evitando que uma informação leal e honesta dada aos leitores e espectadores se transforme num anátema.
Aquilo que proponho, portanto, digo-o por experiência feita, não é essencialmente para impedir os jornalistas de escreverem sobre temas em que podem entrar em conflito, pelo contrário, é um caminho de liberdade e não uma nova prisão.
O que proponho é que cada jornalista decida sozinho o que coloca na declaração de interesses. Isso não acaba por originar uma difusa escolha de critérios? Sim, e isso é bom. Por exemplo, é muito diferente um jornalista em início de carreira ou que tem um posição hierárquica de base na sua redação decidir não fazer uma declaração de interesses – quem o levará a mal, nos dias que correm? – do que um diretor de um jornal diário, um colunista como eu ou um jornalista comentador televisivo, pessoa que influencia diretamente a opinião pública, decidir esconder os seus conflitos de interesses. E isto a opinião pública percebe facilmente.
E porque é que não começamos pelo básico e colocamos nas nossas declarações de interesses os locais onde trabalhámos, os nomes dos acionistas das empresas onde estamos e a identificação das áreas de especialização jornalística que, circunstancialmente, exercemos? Esta informação que tantos de nós voluntariamente divulgamos dispersamente nas fichas técnicas das publicações, no facebook, no linkedin, nos blogues pessoais ou que alguém colocou na wikipédia, sendo aparentemente neutra, revela por si só potenciais conflitos de interesses e aponta limites éticos que não devem ser violados. Qual é o jornalista que não pode fazer uma declaração deste tipo? E isto não defende a imagem do jornalista junto do público? A mim parece-me que sim.
A coisa para mim é muito simples e linear: sempre que declaro a minha filiação partidária sinto-me mais livre porque me sinto de consciência tranquila e essa consciência tranquila permite-me escrever em consciência o que me vai na consciência. A minha declaração de interesses acabou com a minha autocensura. É esta liberdade que proponho ao Congresso.

Leia aqui a proposta apresentada

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